André Pintado, engenheiro informático de formação, é apontado por muito como um dos maiores provadores de cerveja português. Fomos comprovar. E provavelmente, é mesmo.
A primeira pergunta não podia deixar de ser: quantas cervejas já avaliou?
No RateBeer.com parei nas 4 mil. No Untappd vou parar nas 5 mil. Mas bebi muito mais do que isso, muitas das cervejas não são registadas.
Há quanto anos começou essa aventura?
Comecei a tomar nota do que bebia em 2010, mais ou menos. Comecei porque queria conhecer os estilos de cerveja, os países que as produziam e as cervejeiras que existiam, tudo movido apenas por curiosidade.
Mais tarde surge uma marca própria, a cerveja Passarola.
Sim, umas centenas de cervejas mais tarde, achei que seria interessante criar uma marca. Acho que o facto de ter bebido muita cerveja me fez ter noção do que havia e do que o mercado precisava.
Os primórdios do mercado
Há nove anos, como era o mercado?
O mercado português não iria muito para além da Sovina, Vadia provavelmente a Cerveja Artesanal do Minho, agora Letra, e mais uma ou outra marca. Não chegava a uma dezena e mesmo estas cervejeiras obviamente produziam pouco. A Sovina e Vadia seriam as que produziam um pouco mais.
“Todas as cervejeiras são importantes, mesmo as que duram seis meses. Não acho que o mercado esteja saturado”
Então na altura provava basicamente cerveja estrangeira?
Era o que havia. Se queríamos coisas diferentes tínhamos de ir procurar online. Porque mesmo em termos de distribuição, tínhamos acesso a cerveja importada que não era obrigatoriamente cerveja artesanal. Estamos a falar de Erdinger, Paulaner, Duvel, Tripel Karmeliet, Westmalle, que são cervejas excelentes, mas não são artesanais.
Quando começou a pensar em ter uma cerveja própria, sabia exatamente que características queria que ela tivesse?
Sim. Em Portugal, a cerveja artesanal nasceu mais tarde do que nos Estados Unidos e outros países europeus, mas lembro-me de pensar que provavelmente iríamos seguir as mesmas tendências, apenas com um ‘gap’ de alguns anos. E a primeira tendência desses mercados mais maduros foram as cervejas lupuladas. Nos Estados Unidos, estaremos a falar de uma Sierra Nevada Pale Ale, uma Dogfish Head, cervejas que sempre me marcaram. Achei que era isso que faltava no mercado nacional e, por isso, a primeira cerveja Passarola que produzimos foi uma IPA.
O que foi mais complicado em todo este processo? Porque de provar cerveja a fazer cerveja vai uma grande distância, creio.
Essencialmente, juntei-me às pessoas certas. Mas diria que primeiro temos de nos informar muito bem, há imenso conhecimento online que pode ser consultado, há livros, revistas, tutoriais. Depois, há que beber muita cerveja e experimentar. Sobretudo, experimentar.
E o negócio? Muitas vezes nos “confessam” que fazer cerveja é uma coisa mas gerir uma empresa de cerveja é bastante mais complicado, até porque normalmente é fruto de uma paixão e não de uma carreira empresarial.
Na cerveja artesanal é claro que tem sempre a ver com alguma paixão e, provavelmente por causa disso, o produto vai sempre prevalecer face ao negócio. Isso eventualmente dá negócios mais dificilmente geridos, que acabam por ser comprados ou mesmo fechar. É uma realidade: normalmente estamos mais focados em fazer um bom produto. E acabamos por gastar mais malte, mais lúpulo…
Não há cervejas a mais
Há marcas de cervejas a mais? O mercado português, o consumidor nacional, tem capacidade para absorver tanta informação?
Todas as cervejeiras são importantes, mesmo as que duram seis meses. Não acho que o mercado esteja saturado. O que acho é que o consumidor português não está tão informado como está o consumidor espanhol, inglês, francês ou americano. A fatia de mercado das cervejas artesanais portuguesas é baixíssima. Mas volto a dizer que não acho que o mercado esteja saturado.
Antes, quando íamos a um bar, pedíamos uma cerveja. Ou seja, não especificávamos estilo ou pais de origem. Hoje, já nota diferença nos sítios que frequenta? As pessoas já pedem uma cerveja específica?
Já acontece, sim. As pessoas estão cada vez mais informadas e mesmo nos restaurantes já há um melhor aconselhamento. Mas é claro que há ainda todo um trabalho a ser feito pelos produtores e distribuidores precisamente no sentido de melhor formar e informar as pessoas que aconselham. De resto, algo que já é feito nos vinhos. É claro que a cerveja luta com outro problema: tem data de validade, algo que não se passa propriamente com os vinhos.
“Houve uma cerveja que me marcou muito. Era de uma cervejeira sueca chamada Närke que eu andava há muito tempo à procura”
Estamos aqui no Armazém da Cerveja, no Porto, e estou a olhar para um quadro com cervejas artesanais. É a lista das cervejas mais pedidas ou são sugestões de prova?
Acho que é sobretudo uma boa amostra do que hoje em dia se consome. Temos uma pils, que é relativamente mais fácil de beber e depois uma APA, para alguém que quer algo um pouco diferente. As belgas vêm a seguir e depois as IPA, para pessoas que gostam de coisas mais amargas e que já conhecem um pouco as cervejas artesanais. As sour são para consumidores com mais experiência. Por fim, uma imperial stout envelhecida em barrica de whiskey que é mesmo para os fãs da cerveja artesanal.
O consumo de cerveja artesanal é residual em Portugal. O preço influencia muito a compra? É possível praticar outros preços?
Para já não é possível, em Portugal, praticar outros preços, até pelo simples facto de as fábricas serem pequenas. Estive há um par de meses na Ucrânia e bebíamos um copo de cerveja artesanal por 1,5 euros. Porque têm escala de produção, têm menos impostos, acesso a ingredientes a melhores preços e, provavelmente, maior facilidade logística.
Mercado nacional vai ajustar-se naturalmente
O mercado português vai ter de se ajustar?
Acho que se vai ajustar mas naturalmente. As fábricas vão ficar maiores, o consumo vai aumentar… Agora, se vai ter de se ajustar para sobreviver? Isso é uma boa pergunta. Possivelmente, sim. Sobretudo para as cervejas continuem a ser atrativas ao consumidor, se o preço for demasiado elevado é complicado.
Quais as cervejas que lhe deram particular prazer?
Nos últimos tempos tenho bebido cervejas mais ‘simplistas’, sobretudo com este tempo. Gosto muito de estar em casa a beber a minha imperial stout com calma a ouvir uma música. E sem particularizar marcas, é verdade que os produtores dos países de leste e da Escandinávia estão a fazer cervejas muito boas deste género, sobretudo sem acrescentos como lactose ou fruta. Imperial stout simples.
Hoje já se fala mais dos géneros de cervejas do que propriamente dos países produtores?
Essa é a tendência, mas há todo um processo educativo que está a decorrer.
Sente que os portugueses já bebem cerveja em ambientes que antes eram “exclusivamente” destinados a outras bebidas? Por exemplo, já levam, quando vão jantar a casa de um amigo, uma cerveja em vez de uma garrafa de vinho?
Tudo isto tem um bocadinho um efeito de contágio. Eu acho que sim, que as pessoas que vão percebendo um pouco mais deste mercado já são capazes de levar uma boa cerveja artesanal para um jantar. E isso replica-se.
A melhor cerveja do mundo
Há uma cerveja melhor do mundo?
É uma pergunta engraçada porque eu diria que sim, que há uma cerveja melhor do mundo. Porque há um fator psicológico muito grande quando bebemos uma cerveja. Há o rótulo, há a cor, há a história da cerveja, o momento em que a bebemos, a companhia ou até a dificuldades que tivemos em encontrar determinada cerveja. E fica a ser a melhor do mundo, e se calhar nem é. Eu diria que a melhor cerveja do mundo reúne todos estes elementos.
Para si qual é a melhor do mundo?
Houve uma cerveja que me marcou muito. Era de uma cervejeira sueca chamada Närke que eu andava há muito tempo à procura mas que se encontrava completamente fora de circulação, para aí há oito anos. Alguém na Suécia consegui enviar-me para Portugal e só o facto de eu a ter à minha frente e a ter bebido já influenciou. Tenho a perfeita noção de que era simplesmente uma cerveja muito boa. Mas, para mim, foi a melhor cerveja do mundo.
“Estive há um par de meses na Ucrânia e bebíamos um copo de cerveja artesanal por 1,5 euros”
O que podemos esperar da Passarola?
É uma pergunta sensível. A Passarola não vai morrer, isso posso garantir.
Vai ser comprada?
Isso não posso garantir. Mas vai sobreviver. Neste momento, está atrás da neblina mas vai aparecer como o D. Sebastião.
A Passarola não vai morrer, isso posso garantir.