Enquanto o inverno traz o frio, traz também uma nova paleta de sabores no mundo da cerveja. Descubra como esta bebida clássica tem a capacidade de se transformar para aquecer os corações e paladares nos dias mais frios.
Confessemos: o consumo de cerveja no inverno pode parecer menos intuitivo do que no verão. Mas na realidade, a cerveja possui as suas próprias peculiaridades. Em primeiro lugar, a cerveja é incrivelmente versátil. Existem inúmeras variedades disponíveis, cada uma com seu próprio caráter e sabor. No inverno, muitos apreciadores de cerveja optam por estilos mais encorpados e robustos, como stouts, porters e cervejas de inverno. Estas cervejas tendem a ter sabores mais ricos e complexos, muitas vezes com notas de chocolate, café, especiarias e caramelo. Estes sabores podem proporcionar um calor reconfortante nos dias frios de inverno.
Além disso, a cerveja pode ser uma excelente companhia para a comida desta estação. Pratos ricos e reconfortantes, como guisados, assados e sopas, podem ser realçados por uma cerveja bem escolhida. Uma stout robusta pode complementar um guisado de carne saboroso, enquanto uma cerveja de inverno picante pode ser o par perfeito para um prato de carne de porco assada.
Por fim, a cerveja pode desempenhar um papel importante nas celebrações de inverno. Seja brindando o Ano Novo com uma cerveja espumante, desfrutando de uma cerveja de Natal numa reunião familiar, ou aconchegando-se com uma porter numa noite fria, a cerveja pode adicionar um toque de alegria e camaradagem às festividades de inverno.
A verdade é que a cerveja oferece conforto, versatilidade e alegria durante os meses de inverno. E pode ser exatamente o que precisamos para nos aquecer… o espírito!
A arte da cerveja no inverno
No mundo da cerveja, o inverno traz sabores únicos e desafios distintos. Tiago Brandão, diretor de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do Super Bock Group, revela-nos como as preferências e produção de cerveja se adaptam a esta estação.
Durante os meses frios, as escolhas recaem frequentemente sobre estilos mais intensos. “Strong Dark Ale, Sweet Stout, Imperial Stout, Barleywine, Doppelbock, Eisbock ou Winter Warmer, para citar alguns”, explica Brandão. Estas cervejas destacam-se pelos sabores ricos em café, caramelo ou chocolate, ideais para o clima invernal.
Tiago Brandão desmistifica a ideia de ingredientes “especiais de inverno”, embora reconheça que certos estilos incorporam elementos sazonais. “Não há propriamente um ingrediente ‘especial de inverno’, apesar de, em algumas interpretações dos estilos acima mencionados, se poder recorrer a ingredientes associados ao inverno (exemplo: cacau, avelãs, açúcar mascavado, xaropes, etc.).”, acrescenta, referindo-se também às Pumpkin Ale de Halloween e às Christmas Ale, enriquecidas com mel, gengibre ou canela.
A harmonização de cervejas com pratos de inverno segue princípios clássicos: semelhança, contraste ou complemento. Tiago Brandão sugere, por exemplo, combinar um “peru assado ou um lombo assado com uma cerveja mais intensa e com notas de caramelo como os estilos Strong Dark Ale ou uma Brown Ale” e “bolos intensos com chocolate ou ovos moles” com cervejas que têm “notas de chocolate, café e tostados”, como as Stout (Sweet ou Dry) ou Imperial Stout.
Contrariando a noção de que a produção varia sazonalmente, Tiago Brandão enfatiza a consistência. “Para o mesmo estilo, como por exemplo uma Pale Lager Internacional como as mais consumidas cervejas no mundo, não podem existir variações nos processos de produção em função do período do ano”, diz. No entanto, o inverno inspira edições especiais, como a “Selecção 1927 Premium Lager Barrel Aged”, uma edição limitada envelhecida em barricas de carvalho francês e americano. “Trata-se de uma cerveja que já vai na sua 3.ª edição, que incorpora notas de madeira (encontradas nos destilados que envelhecem em barricas) e apresenta maior intensidade na boca do que uma Pale Lager corrente, mas que mantém uma drinkeability elevada. Uma cerveja que apenas encontra em formato 33cl e 75cl nos supermercados e hipermercados nesta altura do ano”.
Quanto aos desafios da estação, o diretor de Investigação, Desenvolvimento e Inovação do Super Bock Group sublinha a importância de manter a qualidade o ano todo. “A cerveja tem essa ‘obrigação’ diária de, para um determinado estilo, servir aos seus consumidores o mesmo perfil ao longo de todo o ano”, afirma.
Falando sobre a fermentação, esclarece que, embora estilos de inverno, como os Ales, possam requerer técnicas específicas, “não há uma associação dessas técnicas com a estação do ano”. Em termos de procura, observa-se um interesse crescente em estilos mais intensos e alcoólicos, embora a maioria do consumo permaneça nos estilos habituais.
Finalmente, Tiago Brandão revela que a inspiração para cervejas sazonais vem da satisfação do consumidor. “O nosso foco é sempre satisfazer o consumidor”, conclui, indicando um equilíbrio entre criatividade e respeito pelas tradições cervejeiras.
Saborear o inverno
No inverno, as preferências por cerveja mudam significativamente. Segundo Teresa Sampaio, mestre cervejeira e responsável de Inovação da Central de Cervejas, nesta estação “existe uma maior procura por cervejas mais ‘quentes’, ou seja, mais encorpadas e mais alcoólicas. Os momentos de consumo também passarão por momentos mais familiares e caseiros e não tão de praia ou esplanada. Esta procura por cervejas mais escuras, encorpadas e alcoólicas pode também estar relacionada com o tipo gastronomia da época, pratos mais condimentados, encorpados e complexos”.
Quando questionada sobre quais estilos de cerveja recomendaria para os meses mais frios, Teresa Sampaio sugere uma Imperial Stout ou até mesmo uma Rauchbier. A mestre cervejeira menciona que, embora não exista um ingrediente preferencialmente utilizado, é comum encontrar no Inverno cervejas com a presença de maltes mais caramelizados ou torrados e também de especiarias, por vezes até noz-moscada ou canela. “Por outro lado, porque não até utilizar um ingrediente tipicamente português como a castanha,” acrescenta.
A harmonização de cervejas com pratos típicos de inverno é feita por complementaridade. “No inverno, os pratos são mais elaborados e por esse motivo pedem, talvez, uma cerveja com maior corpo, calor alcoólico e complexidade organoléptica. A escolha do estilo, dependerá sempre do prato a harmonizar,” explica a especialista.
Em relação às tendências atuais no mundo das cervejas perfeitas para o inverno, Teresa Sampaio destaca o estilo Imperial stout, pelos seus protagonistas de maltes torrados e forte teor alcoólico, que convida à sua degustação em momentos mais frios.
Quanto ao processo de produção de cerveja na estação do inverno, afirma que no caso da Central de Cervejas é semelhante, enfatizando que, neste momento, a empresa não tem nenhuma referência sazonal, que seja produzida apenas no inverno.
No entanto, Teresa Sampaio partilha uma curiosidade: “Existem algumas cervejas na Europa que estão muito associadas ao inverno, nomeadamente ao Natal, como é o caso da Samichlaus. Produzida apenas uma vez por ano, em dezembro, a Samichlaus é uma cerveja do estilo Doppelbock, envelhecida durante 10 meses antes de ser engarrafada, caracteriza-se pelas notas de frutos escuros, como passas e chocolate e por ser uma cerveja muito encorpada (álcool 14%)”.
Em relação aos desafios enfrentados na produção de cerveja durante os meses mais frios, a especialista afirma que “hoje em dia a produção de cerveja apresenta uma metodologia que permite ultrapassar as variações de temperatura sazonais.” A mestre cervejeira menciona ainda a utilização de especiarias na produção de cerveja como uma técnica de fermentação que prefere usar no inverno.
Finalmente, quando questionada sobre como procura inspiração para as cervejas sazonais de inverno, Teresa Sampaio não hesita em responder: “Nas memórias de conforto num dia de frio, quer tenham sido com família ou amigos”.
Robustez invernal
Luís Costa, diretor de Marketing e Comunicação da Cerveja Quinas, não tem dúvida que, durante o inverno, as preferências por cerveja sofrem alterações significativas. “De uma forma geral, as pessoas tendem a inclinar-se para cervejas mais robustas, encorpadas e com sabores mais intensos nos meses mais frios. Isso ocorre porque essas cervejas são frequentemente descritas como sendo mais alcoólicas e um bom complemento para os alimentos mais pesados que se consomem no inverno”, disse.
Por isso mesmo, aconselha a um trio de Quinas para os meses mais frios. Primeiro, a Quinas Tripeira, uma Dark Lager, uma cerveja preta, envolta em aromas ricos de café provenientes do malte torrado. O sabor é marcado pela presença robusta do malte e o travo final é amargo e pronunciado, complementado por notas distintas de chocolate preto. Nela encontramos nuances complexas provenientes dos maltes cuidadosamente selecionados, adicionando camadas adicionais de profundidade ao perfil de sabor. Para Luís Costa, esta cerveja harmoniza perfeitamente com carnes assadas ou estufadas, enquanto a sua riqueza faz dela a escolha ideal para acompanhar sobremesas de chocolate.
A segunda escolha recai sobre a Quinas Algarvia, uma Doppelbock, densa de corpo pronunciado e sabor rico e maltado com notas de caramelo. Apresenta um elevado teor alcoólico de 8% que equilibra na boca com o final amargo e revela uma harmonia única entre a doçura dos maltes e o amargor subtil. A sua complexidade faz dela uma escolha excecional, segundo o diretor de Marketing e Comunicação, para acompanhar assados e queijos fortes, onde a intensidade dos sabores se complementa com o elevado teor alcoólico.
A última sugestão vai para a Quinas Magna, uma Extra Brut Beer, uma cerveja concebida a pensar nos momentos festivos, como o Natal e a passagem de ano. Apresenta-se numa garrafa de 3 litros, sendo extremamente leve e aromática, com um final fresco e seco. O seu aroma cítrico e sabor levemente frutado contribuem para uma experiência única. Luís Costa advoga que esta cerveja é a escolha ideal para brindar aos momentos mais especiais, conferindo um toque de sofisticação e frescura às celebrações.
De resto, a marca Quinas encara as mudanças sazonais nas preferências de cerveja como algo intrínseco e natural. “Dada a vasta gama de estilos de cerveja, é compreensível que alguns se adequem melhor a determinados momentos do que outros. Essa diversidade é a maior vantagem de ter à disposição uma ampla seleção de estilos, proporcionando a flexibilidade necessária para escolher a cerveja ideal para cada ocasião”.
Mais corpo e mais álcool
À medida que o inverno se instala, os amantes de cerveja ajustam as suas preferências, procurando opções mais encorpadas e ricas. A marca Cinco Chagas, reconhecida no universo cervejeiro, confirma essa tendência, destacando estilos específicos que ganham popularidade durante os meses frios.
“Cervejas com mais álcool e mais encorpadas são as preferidas no inverno”, afirma um porta-voz da Cinco Chagas. Entre as escolhas recomendadas, a marca destaca as Porters, as ricas e complexas Tripel ou Quadrupel, as intensas Barley Wines e as aromáticas Black IPA. Estes estilos, conhecidos pela sua profundidade e complexidade de sabor, encaixam perfeitamente no clima frio, proporcionando uma experiência sensorial aquecedora.
A Cinco Chagas também ressalta a popularidade das cervejas de Natal, que se distinguem pela adição de especiarias como canela, gengibre e cravinho, ou ingredientes como mel e açúcar mascavado. Estas cervejas oferecem uma paleta de sabores que evoca a essência da estação, criando uma sinergia perfeita com as celebrações de fim de ano.
Quando se trata de harmonizar cervejas com pratos típicos do inverno, a marca sugere Brown ou Dark ALE como acompanhamentos ideais para os pratos mais substanciosos da estação. “Uma Brown ou Dark ALE vai sempre bem com pratos ‘pesados’, mas claro que isso depende sempre do gosto pessoal de cada um”, explica o representante da Cinco Chagas. Estes estilos, com o seu perfil rico e aveludado, complementam pratos como assados, ensopados e pratos tradicionais de inverno.
No que diz respeito às tendências atuais perfeitas para o inverno, as cervejas com maior teor alcoólico e envelhecidas em barricas surgem como uma opção intrigante. Este processo de envelhecimento em barrica confere às cervejas notas de madeira e complexidade, tornando-as escolhas requintadas para os apreciadores de sabores mais intensos e sofisticados.
A produção de cerveja no inverno traz desafios específicos, como manter a temperatura de fermentação adequada. “O único desafio é mesmo conseguir evitar que a temperatura de fermentação não desça abaixo do que pretendemos”, revela a Cinco Chagas. Este controlo preciso é crucial para garantir a qualidade e o perfil de sabor consistente de suas cervejas.
A Cinco Chagas, embora não produza cervejas especiais ou sazonais exclusivamente para o inverno, continua a oferecer uma seleção variada que atende às mudanças de preferência dos consumidores durante esta estação.
Cada cultura sua cerveja
Diana Canas, Production and Supply Chain Director na Fábrica de Cervejas Portuense, aponta que a escolha de cerveja no inverno pode variar de acordo com a cultura de cada país. “No nosso país, em época de temperaturas mais baixas, a cerveja fresquinha e leve continua com espaço”, diz, destacando, no entanto, que há uma crescente procura por cervejas “com mais cor, mais corpo e mais álcool, cervejas de saborear” durante os meses frios.
A brewmaster recomenda pessoalmente estilos como double, triple e stouts para o inverno, observando que essas são cervejas com “sabores mais intensos e quentes”. Estes estilos, conhecidos por sua riqueza e complexidade, oferecem uma experiência de degustação mais profunda, adequada para o clima mais frio.
Quanto aos ingredientes especiais utilizados em cervejas de inverno, Diana Canas menciona que são cervejas que “destacam mais os sabores dos maltes”, com notas de caramelo, tostados, café, frutos secos e chocolate negro.
A harmonização de cervejas com pratos típicos de inverno, segundo a especialista, deve levar em consideração a riqueza dos pratos e a potência das cervejas. Por isso, sugere que cervejas com maior teor alcoólico e um pouco de adstringência combinam bem com pratos quentes e gordurosos, criando uma experiência gastronómica equilibrada e agradável.
Diana Canas observa que as imperial stouts são particularmente populares no inverno, oferecendo uma combinação perfeita de intensidade e sabor para a estação.
No que se refere ao processo de produção, esclarece que não há variações significativas no inverno, ressaltando que “o que caracteriza estas cervejas são as matérias-primas e o volume alcoólico”.
Falando sobre cervejas especiais ou sazonais, Diana Canas menciona a cerveja de Oktoberfest e a de Natal como exemplos de receitas produzidas apenas em datas específicas.
Os desafios da produção no inverno incluem a manutenção da temperatura ideal de fermentação. “Talvez a maior dificuldade se prenda com fermentação a temperaturas mais altas durante o inverno”, explica a mestre cervejeira, acrescentando que a tecnologia atual permite superar esses obstáculos.
Na criação de cervejas sazonais de inverno, Diana Canas procura inspiração na variedade, nomeadamente “destacar um sabor diferente” a cada ano, sempre equilibrando corpo, amargor e doçura. Em colaboração com os departamentos de marketing e comercial, visa desenvolver produtos que despertem o interesse e conquistem os consumidores.
Sabores de maltes ganham espaço
As preferências por cerveja no inverno “mudam organicamente pela apelatividade para consumo mais apropriado às temperaturas” e são influenciadas pelo marketing e pela gastronomia da estação, opina Octavio Costa, da MØMBrewers, que recomenda estilos cervejeiros mais robustos para os meses frios, como Stout, Imperial Stout, Porter, Heavy Ales, Strong Ales, Belgian Ales, Christmas’s Ales e Barrel Aged Ales. Estes estilos, com sabores intensos e envolventes, são ideais para o clima invernal.
Quanto aos ingredientes, Octavio Costa destaca que as cervejas de inverno geralmente enfatizam sabores de maltes e cereais maltados, com a adição de especiarias, frutas e frutos secos. Menciona ainda processos de envelhecimento em barricas de vinhos e destilados, que adicionam uma dimensão extra ao sabor.
A harmonização de cervejas com pratos típicos de inverno é uma área ampla, segundo Octavio Costa. O especialista sugere que a combinação deve levar em conta o equilíbrio de sabores, álcool, intensidade e corpo das cervejas, adequando-os aos sabores dos pratos, sejam eles salgados, doces, ricos em gorduras ou ácidos.
Observando as tendências atuais perfeitas para o inverno, Octavio Costa aponta para os queijos fortes harmonizados com cervejas Saison envelhecidas em barricas de vinhos clássicos, além da combinação de doçaria conventual com Imperial Stouts potentes e intensas.
Em relação ao processo de produção, o especialista afirma que não há grandes variações no inverno, desde que sejam observados os cuidados normais do processo. Menciona que ingredientes específicos podem ser mais marcantes na estação, influenciando na criação de cervejas específicas.
A MØMBrewers tem cervejas especiais e sazonais para o inverno, como a Amândio Porto Vintage BA Imperial Stout, uma colaboração vendida na Dinamarca com a Mikkeller/Warpigs, que é libertada das barricas em outubro e vendida nos meses seguintes.
Octavio Costa observa um crescimento na oferta e procura por cervejas de inverno, impulsionado pela diversificação e pelo aumento da cultura cervejeira entre os consumidores. Quando se trata de inspiração para cervejas sazonais de inverno, a MØMBrewers segue uma abordagem mais relaxada, “não tendo as escolhas uma necessidade ou foco nos interesses do mercado, mas sim na natureza dos pequenos lotes limitados”.
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Texto de SUSANA MARVÃO | Fotografias SHUTTESRSOCK / DR
Para edição n.º 9 da revista Paixão Pela Cerveja